HISTÓRIA da RESIDÊNCIA MÉDICA no BRASIL

1- INTRODUÇÃO

            Muitos colegas têm instigado a escrever a história da Residência Médica no Brasil que verdadeiramente, como instituição oficial, teve seu início com a criação da Associação Nacional de Médicos Residentes, da qual sou testemunha presencial e também como dirigente em seu primórdio. Chamo a atenção antecipada do esforço despendido pelos médicos da época, na organização e zelo pelo padrão exigido para um processo de formação profissional de alto nível, incluindo a titulação de especialista, obtido por lei. A Associação Nacional foi o embrião da Comissão Nacional de Residência Médica graças à persistência e esforço dos médicos residentes que entenderam que a qualificação dos formadores era essencial para um progresso profissional.

            Muitas dificuldades foram superadas no desenvolvimento da entidade, independente do regime governamental, que acabou aceitando as propostas de um órgão de classe, sem espírito sindicalista, apenas técnico.

            É indiscutível e universal a validade da Residência Médica para a formação de profissionais qualificados que a lei brasileira permite outorgar um título de especialista. A lei, em pauta é 6932/81 que normatizou o Decreto 80281 de 1977, que foi o marco inicial, onde se definiu Residência como sendo um curso de pós-graduação, “latu sensu”, caracterizada por treinamento em serviço, supervisionado por profissionais médicos de elevada qualificação ética e profissional, em instituições públicas ou privadas, universitárias ou não, em regime de dedicação exclusiva e manteve como curso de especialização.

            A dedicação exclusiva foi abolida posteriormente, quando a Lei 6932 foi promulgada.

            A modalidade de ensino foi inicialmente desenvolvida no final do século XIX e início do século XX pelo grande cirurgião William Steward Halsted no Hospital Johns Hopkins, em Baltimore, ladeado por outros grandes professores reconhecidos, como foi William Osler, William Welch e Howard Kelly, que, na época, eram conhecidos como “Os Quatro Grandes”.

            O aprendizado em medicina, principalmente em Cirurgia, era extremamente difícil, pois o interessado em aprender submetia-se a um profissional mais experiente, durante um tempo longo e variável até captar conhecimento e técnica para conduzir com relativa segurança e autonomia, casos de pacientes que estivessem sob seus cuidados.

 “A educação médica sempre pareceu estar em agitação perpétua, desde o início dos anos 1900s até o presente. Mais do que um escore das fundações, corpo docente, força tarefa profissional realizando educação médica criteriosa, com ênfase no conhecimento científico, compreensão biológica, raciocínio clínico, habilidade prática, e desenvolvimento de caráter, compaixão e integridade” ( Molly Cooke et al, N Engl J Med 355;13, September 28,2006).


            Nessa publicação há um relato histórico da pesquisa realizada por Abraham Flexner, contratado pela Carnegie Foundation for the Advancement of Teaching, para uma avaliação da educação na América do Norte. Como é bem conhecido, visitou 155 escolas médicas ativas nos Estados Unidos e Canadá. A análise crítica permitiu avaliar onde o ensino era ministrado com qualidade e onde era inadequado e medíocre.

2- CONTEXTO DA PÓS-GRADUAÇÃO-RESIDÊNCIA MÉDICA NO INÍCIO DO SÉCULO XX


            Instituições que se dedicavam e esmeravam a qualidade técnica em bases científicas foram elevadas e categorizadas como centros de formação ideais em educação médica, além de pioneiras na transformação educacional.


            Entre as que se tornaram referências, enfatizou a Harvard University e a University of Pennsylvania, mas foi mais expressivo no reconhecimento da Johns Hopkins University, considerado programa ideal para educação médica pela orientação clínica e acadêmica, bastante abrangente com corpo docente que estimulava pesquisa e cuidado com pacientes, transmitindo aos estudantes o interesse científico e comportamento ético.

            Essa foi a base para um programa de ensino intenso, com carga horária integral, capacitando adequadamente o aluno com a transformação em residência, atingindo uma gama de conhecimento amplo mediante a natureza do modelo implantado nessa Universidade.

            Em paralelo a esse movimento de avaliação de serviços educacionais, também houve a busca na aquisição de conhecimento pelo recém- graduado em medicina, pressionado pela exigência de um novo perfil de mercado de trabalho, agora mais hospitalocêntrico e especializado com a introdução de novos equipamentos diagnósticos e terapêuticos. A insuficiência no treinamento prático e a existência de um mercado de trabalho mais competitivo, pressionou esse processo de busca e oferta na formação da pós-graduação.

Mais ou menos quatro décadas do início do sistema de residência, mais precisamente em 1945, a Cadeira de Ortopedia e Traumatologia do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, hospital recém-construído e entregue ao uso público, criou o primeiro programa de Residência Médica, seguindo o modelo americano.

            Pouco anos após, o mesmo padrão e modelo foi adotado no Hospital dos Servidores Públicos do Estado do Rio de Janeiro, mais tarde Estado da Guanabara.

Aos poucos, o sistema expandiu-se para outras instituições e hospitais, sempre com cargas horárias extenuantes e com moradias sofríveis proporcionadas aos estudantes.

3- PROTAGONISMO DOS EGRESSOS DOS CURSOS DE GRADUAÇÃO NA ORGANIZAÇÃO DA RESIDÊNCIA MÉDICA-DOS CONGRESSOS NACIONAIS À CRIAÇÃO DA ANMR

            Mesmo com a adoção de tal modelo, o egresso do curso médico nem sempre encontrava uma situação devidamente organizada, com um projeto pedagógico concreto, com conteúdos bem formulados. Seguia-se, cegamente o que era ditado pelos mais experientes, no propalado regime de tempo integral, com poucos direitos ou mesmo nenhum. A título de exemplo, pode-se citar as entrevistas para admissão aos programas, onde se especulava sobre a vida privada do candidato, restringindo casados ou em via de contrair matrimônio.             Mulheres eram raras e com restrições maiores, frequentemente.

            Apesar da rígida disciplina e vida espartana, o aprendizado aflorava de forma quase insensível e muitos bons profissionais se formaram e compuseram novos grupos de instrutores, como eram chamados até que evoluíssem para o cargo de assistente, numa primeira etapa da carreira. Esse início de preceptoria, como dito anteriormente, era executado por residentes de segundo e terceiro ano (R2 e R3) e, menos por assistentes ou professores das disciplinas ou mesmo cátedras.

            Por analogia, houve o equivalente aos problemas gerados por assédio, mas que eram estoicamente suportados pelos que estavam mais interessados no aprendizado do que se rebelar e acusar qualquer superior hierárquico para não ser excluído e resultar em dano futuro.

            No início da década de 60, o pequeno número de escolas médicas, com vagas restritas, começou a ser pressionado por diversos setores da sociedade para que houvesse ampliação de vagas e/ou de faculdades em razão do crescimento acentuado do alunado e da própria população. Justificou-se assim a quantidade de estudantes que compunham um vertiginoso quadro de excedentes em concursos vestibulares extremamente concorridos, pressionando literalmente os três níveis de governos a promoverem mais escolas e vagas médicas.

Inegavelmente, tal acréscimo e expansão atingiu o setor hospitalar, propiciando o consequente aumento quantitativo de residentes em serviços universitários ou não, com regimentos próprios institucionais, mas sem ordenação da massa de trabalho em atividade de aprendizado.

            Em 1966, residentes de vários estados do sudeste e sul, e mais tardiamente do Nordeste, conseguiram se articular e organizaram o I Congresso Nacional de Médicos Residentes realizado na Escola Paulista de Medicina (atual Unifesp) que preparou as bases para uma Associação Nacional de Médicos Residentes (ANMR).

            O primeiro congresso discutiu teses relevantes para a criação da entidade nacional, selecionou um grupo de trabalho para a elaboração dos estatutos, visando eleger a primeira diretoria no ano seguinte (1967) no Rio de Janeiro.

            No final da década de 50 e início dos anos 60 houve forte expansão industrial no país, assim como, incentivo para criação de hospitais com financiamento público através da Caixa Econômica Federal que criou o Fundo de Assistência Social(FAS), sendo a maior parte de instituições privadas e, frequentemente, atreladas à Medicina de Grupo e Seguro Saúde que , então, se constituíam para superar uma assistência governamental ainda insuficiente para a população, apesar dos esforços da Previdência Social.

            De forma anárquica surgiram serviços hospitalares que ofereciam estágios, remunerados e não remunerados, com algum arremedo de residência, sem obediência às normas e critérios previamente definidos, sem uma coordenação e controle do sistema.

            Paralelamente, houve crescente interesse de formandos e recém formados pela complementação da formação médica, visando atingir melhor capacitação técnico-científica, principalmente em serviços universitários e de qualidade reconhecida.

            Vale fazer referência às dificuldades para ingresso em serviços de melhor nível, além das expostas anteriormente, pela prática da reserva de vagas para os egressos da própria instituição de ensino. Tal cultura, só foi parcialmente mudada após resoluções da Comissão Nacional, que instituiu, em resolução, regras claras objetivando absoluta lisura dessas seleções, principalmente nas entrevistas e análises curriculares estipulando notas com pesos ponderais que não permitiam a reserva de vagas em larga escala, propiciando uma seleção com menos viés do que o modelo primitivo para a condução dos processos, mas que mesmo assim geraram denúncias junto ao Ministério Público Federal.

            As ações de organização e elaboração do I Congresso Nacional foram capitaneadas por residentes de vários estados, entre os quais merecem destaque os componentes da Mesa.

Diretora e a Comissão Executiva:

            Manoel Lopes dos Santos- SP

            Protásio Lemos da Luz- PR

            Nathanael Ribeiro de Mello- SP

            Plinio Caldeira Brant- GB

            Afonso Soares Ferreira Filho-DF

            Luiz Carlos Mendes Falleiros-MG


A Comissão Executiva foi composta por:

            Luiz Fernando Beraes – GB

            Jaime Luiz Pieta- GB

            Geniberto Paiva Campos-GB

            Além dos organizadores, houve a participação de residentes e internos (doutorandos) que compuseram sessões plenárias e grupos de trabalho, discutiram e aprovaram o anteprojeto dos estatutos da Associação e constituíram a Comissão Preparatória do II Congresso a ser realizado na Guanabara.

            Efetivamente, realizou-se em outubro de 1967, com aprovação dos Estatutos, eleição da primeira diretoria com a participação de representantes de vários estados: Rio Grande do Sul, Santa Catarina, Paraná, São Paulo, Minas Gerais, Distrito Federal, Guanabara, Rio de Janeiro.

            Estavam presentes vinte e quatro hospitais com cerca de sessenta e quatro residentes e internos representando os alunos da graduação.

            Chama a atenção o número de participantes, ainda pequeno, dadas as dificuldades para os residentes se locomoverem para os locais escolhidos como sede dos Congressos, permissão para dispensa das atividades hospitalares e principalmente financiamento para a viagem e estadia, apesar do apoio dos governos locais que tornavam os custos menores para aqueles que se dispunham a representar às instituições e estados. Vale a pena frisar que tal dificuldade ainda existe e a ANMR nunca pôde contar com presença expressiva de médicos residentes em suas deliberações e até eleições.

            Os primeiros congressos estabeleceram normas e princípios sobre o sistema de residência médica e pós-graduação no Brasil. Foi a primeira tentativa de abordar o problema, procurando fazer um apanhado geral e tentar uma esquematização racional adaptada à realidade brasileira.

            Representou o despertar da consciência dos médicos residentes.

           
O II Congresso projetou um esboço para uma comissão de apoio e controle com a criação de um Conselho Consultivo composto por representantes das entidades de classe:

            Associação Médica Brasileira (AMB);

            Associação Brasileira de Escolas Médicas (ABEM), atualmente de Educação Médica;

            Associação Brasileira de Hospitais (ABH);

            Associação Médica do Estado da Guanabara- sede da Associação;

           
Os temas mais relevantes colocados em discussão foram:

            – Residência Médica—Visão Geral

            – Criação da Associação Nacional de Médicos Residentes

            – Mercado de Trabalho

            – Previdência Social

            – Residência e Ensino

Estabeleceu a compreensão da Residência Médica “como uma forma de ensino pós-graduado que permite ao recém formado médico aperfeiçoar-se nos diferentes ramos da atividade médica, trabalhando numa organização hospitalar de bom padrão, em regime de tempo integral e devotamento exclusivo, por prazo suficiente e sob supervisão de colegas mais experimentados” (Boletim do II Congresso).

            Considerava, ainda, que devia ser compreendida a partir de uma perspectiva de padrões técnico-científicos elevados, formando profissionais de alto nível, principalmente voltados para a pesquisa e o magistério, conforme ocorria em países mais desenvolvidos. Reafirmava também, que as deformações existentes na universidade brasileira se refletem numa deficiente formação médica profissional e não dão ainda a sólida e indispensável estrutura básica ao médico na prática geral.

            Ainda hoje, apesar de significativos progressos em termos organizativos, encontram- se deturpações do sistema residencial, mais especificamente na supervisão e formação de preceptores.

            A ação empreendida pelos residentes, com forte espírito crítico voltado para qualidade do processo educacional, permitiu que se levasse em alta conta o apuro das instituições para obtenção do melhor resultado formativo, sendo esse o grande empenho e objetivo da ANMR.

4- PRIMEIRAS NORMATIVAS DE CREDENCIAMENTO E AVALIAÇÃO DOS SERVIÇOS-II CONGRESSO

            Os congressos e a própria associação recém criada deram início ao estabelecimento dos padrões mínimos para uma residência de qualidade, uma vez que não havia controle por instância superior, já propondo um sistema de acreditação com as seguintes subdivisões:

            A- Do Hospital

  1. Número de leitos suficientes para o aprendizado.
  2. Corpo Clínico de elevado padrão científico e cultural, preferencialmente vinculados à Universidade.
  3. Pessoal técnico de gabarito nos serviços paramédicos, com pelo menos uma Enfermeira Padrão na chefia dos setores.
  4. Instrutores aptos e à disposição para treinamento dos residentes.
  5. Departamentos indispensáveis: Radiologia, Laboratório, Anatomia Patológica, Banco de Sangue, Arquivo Médico Central, Biblioteca, Serviço Social, Dietética.
  6. Instalações apropriadas para alojamento, de preferência dentro do hospital.

           
            B- Condições Materiais e Didáticas

  1. De subsistência: boa alimentação e acomodações que proporcionem o devido repouso, locais de estudo, recreação, etc.
  2. Remuneração igual ou superior a três salários-mínimos regionais.
  3. Férias anuais remuneradas de um mês.
  4. Apresentação de plano de residência com programa de treinamento e rodízio dos serviços e especificação do Corpo Clínico.
  5. Fornecimento de título ao residente que completar o treinamento.

           
            C- Do Sistema de Residência

  1. Tempo nunca inferior a dois anos, em regime de tempo integral e dedicação exclusiva.
  2. Sistema de rodízio em setores afins, de acordo com as necessidades de cada especialidade.
  3. Os residentes farão atendimento de emergência ou pronto-socorro; atentando-se para o fato que o hospital oferte condições para tanto.
  4. – Atendimento de urgência é de suma importância para o aprimoramento profissional.
  5. O residente, sob orientação de um instrutor ou do médico do setor, responsabilizar-se-á pelo paciente, fazendo visitas diárias, medicando e solicitando exames que julgar necessários. Terá ampla liberdade no trato do doente, desde que não transgrida normas do hospital e à orientação do corpo clínico ou ambos. Deverá, ainda, selecionar casos que mereçam melhor estudo e apresentá-los em reunião conjunta do setor com todos os residentes e o corpo clínico.
  6. Ambulatórios – Atendimento de consultas em número razoável e devidamente orientado.
  7. Deve ser dada oportunidade cirúrgica ao residente, com orientação adequada. Deve-se programar, levando em conta a capacidade do hospital, o número e a qualidade de cirurgias a serem executadas pelo residente na função de cirurgião. Um instrutor cuidará da discussão dos casos cirúrgicos desde o Ambulatório até o pós-operatório, atentará às modificações de técnicas, as correlações do quadro clínico, radiológico e resultados da anatomia patológica.
  8. Programação das atividades didáticas: discussão de casos, sessões anátomo-clínicas, radiológicas, palestras, seminários e trabalhos científicos.
  9. Essas exposições e propostas foram exaustivamente discutidas e repetiram-se por outros encontros e acabaram por resultar nas leis e resoluções no início da década de 80 em diante, até a atualidade.

 

Mais sugestões do II Congresso

  1. Organizacional   

            – Comissão de Residência

            – Chefia de Residentes

            2- Previdência Social

            A existência de uma modalidade contratual chamada de Contratos Globais

A nova lei de regulamentação da Previdência Social

  • Seguro Saúde
  • Livre Escolha.
  • A Residência deve ser complemento do ensino curricular, especialmente nos hospitais universitários.
  • Deve participar das atividades didáticas e estimulada a ter interesse no magistério
  • Necessidade de conclusão da Residência Médica, no mínimo dois anos de curso, para ingressar em carreira universitária em todos os serviços com curso semelhante.
  • Discutiu-se o ganho de pontuação em concursos públicos para residentes que almejavam ingressar no Serviço Público e para obtenção do título de especialista após os dois anos de formação, como exposto acima.
  • Serviço Militar e Residência
  • Sucessivos governos tentaram a fixação de médicos em regiões distantes e carentes como solução para deficiências no atendimento populacional, há mais de meio século e os governos militares estimularam e desenvolveram planos de interiorização que incluíram estudantes e recém formados, como foi o Projeto Rondon que proporcionou conhecimentos a muitos participantes sob o ponto de vista de integração nacional e da própria realidade brasileira.
  • O Projeto ainda existe e só não foi retomado em razão da pandemia ainda vigente.

Desde a instalação dos governos militares, a partir de1964, pleiteava que a incorporação fosse após o término da Residência, porém a prática costumeira da convocação e mais tarde por ato voluntário se consolidou ao longo dos anos e mais tarde foi estendida ao sexo feminino.

Hoje tornou-se corriqueiro o adiamento do início da residência pela incorporação às Forças Armadas, previstas em decisões e aprovação de resolução específica, sendo a última publicada a de número 04 de 30 de setembro de 2011.

Em 2021, foi elaborada a Nota Técnica No.02/CGRS/DDES/SESU-MEC que sugeriu à Comissão Nacional a confecção de Resolução para normatizar a modalidade de Estágio de Adaptação e Serviço (EAS) nas Forças Armadas para a conformação do preconizado no Artigo 5o. da Constituição Federal de 1988 e as Leis No.4375/64 e 5292/67, ambas respaldadas na Lei 12336/2010 que permitiam que médicos e odontólogos solicitassem o adiamento da incorporação até a completa formação em programas educacionais. Apesar da aprovação em Plenária, encontra-se em análise jurídica e aguarda publicação

REMUNERAÇÃO

No caso em tela, a opção dos congressistas foi pela liberdade de escolha e que houvesse condições mínimas de trabalho.

Finalmente, amplas discussões democráticas, porém extensas, sobre a bolsa de residente, tomando-se por base a Lei 3999/61 que fixou o salário mínimo profissional de médico . Independente do número de horas prestadas, alimentação e moradia recebidas, não deveria ser inferior a três vezes o maior salário mínimo do país.

Havia um diferencial no valor da bolsa conforme o ano de residência, com 25% a mais para o R2 e 50% para o R3.

Em agosto de 1969 as quatro entidades representativas: Associação Nacional de Médicos Residentes (ANMR); Associação Médica Brasileira (AMB); Associação Brasileira de Escolas Médicas (ABEM); Associação Brasileira de Hospitais (ABH), que já faziam parte do criado Conselho Consultivo, estabeleceram as bases para uma Comissão Nacional de Credenciamento com a finalidade de qualificar e acreditar hospitais para oferecimento de Programas de Residência Médica.

Em 1965, o Conselho Federal de Educação estabeleceu normas e diretrizes para os recém-criados cursos de pós-graduação “strictu sensu “, cuja efetivação aconteceu pelo Decreto 67350, de 06 de outubro de 1970. Desde então, a ANMR batalhou para manter a residência como pós-graduação na área médica, por se constituir em um diferencial para Mestrado e Doutorado. Tal empenho foi bem sucedido com o Parecer 576/70 do Conselho Federal de Educação, de autoria do Conselheiro Professor Raymundo Muniz de Aragão, que harmonizou a situação dificultada pela duplicidade de sistemas implantada pelo Parecer do Professor Newton Sucupira que não atentava para a área médica, apesar de amplo e mais dirigido para o magistério.

Consequentemente, o Parecer explicitava que “os cursos de pós-graduação em Medicina serão ministrados a médicos, em regime de residência e dedicação exclusiva “

Portanto, cursos de mestrado e doutorado podiam ser concomitantes com a Residência Médica.

O objetivo fundamental da Residência Médica é preparar profissionais especialistas, enquanto mestrado e doutorado visam a formação de docentes e pesquisadores.

Muito esforço foi empreendido, mas alguns fatores impediam o progresso adequado do sistema de formação que crescia numericamente, tanto em instituições quanto em residentes. Entre esses, se destacavam: pouca qualidade dos programas, excessiva carga de trabalho, baixa remuneração e ausência de direitos básicos.

Mediante a situação cada vez mais drástica, em 1975,a ANMR promoveu mobilização mais adequada à pauta de regulamentação da residência e padronização mínima dos programas. Essa foi crescendo com apoio de diversos setores da sociedade civil e entidades médicas, que já iniciava tentativas de reduzir o poder militar pelo descontentamento que se alastrava, tendo como resultado a primeira greve nacional de residentes em 1978, apesar da primeira grande vitória ter ocorrido em 1977, com a publicação do Decreto 80281, dois dias após o encerramento do XII Congresso Nacional realizado em Olinda/PE.

Duas vertentes se digladiavam: a didática e a trabalhista, ambas pleiteando melhorias e efetivação da normatização do Decreto, que só ocorreu com a publicação da Lei 6932, de 07 de julho de 1981.

O Decreto criou a Comissão que foi consolidada pela Lei 6932/81, que estabeleceu a definição precisa, o período de curso, a concessão do título de especialista, a carga horária e direitos mantidos até a atualidade e determinando o valor da bolsa de estudo e a possibilidade da contagem de tempo para efeito de aposentadoria.

A CNRM foi vinculada ao antigo Departamento de Assuntos Universitários (DAU) do Ministério da Educação (MEC), com representantes do poder público de três ministérios, entre os quais as Forças Armadas, representantes das Associações de classe, bem de acordo com as proposições congressuais. Somente em 2011 foi publicado o Decreto 7562, marco regulatório do sistema de residência e que o vincula à Secretaria de Ensino Superior (SESU) como era em anos anteriores.

A CNRM reúne-se frequentemente, mensalmente de forma ordinária e, às vezes, extraordinariamente, bastante responsável no cumprimento de suas atribuições legais, estabelecendo resoluções, notas técnicas, instruções normativas orientadoras das Comissões de Residência Médica (Coremes) das instituições e das Comissões Estaduais de Residência Médica (Cerems) criadas em 1987 pela Resolução CNRM No.01, órgão auxiliar da Comissão Nacional.

Imediatamente à aprovação dos Estatutos da ANMR, ainda no II Congresso, foi eleita a primeira diretoria, sendo o primeiro presidente o Dr. Jaime Luiz Pieta que foi reeleito no III Congresso realizado em Brasília em 1968.

O IV Congresso realizado em Belo Horizonte havia um clima de muito temor pelo fato de que o presidente estava sob intensa vigilância do aparato militar, não sendo possível comparecer ao evento. A presença aos conclaves era bastante diversificada por números e representantes variáveis, haja vista, as dificuldades para reuniões, interesses políticos e até dificuldade financeira. Muitas vezes, superiores hierárquicos não permitiam ausências aos plantões e na sequência dos rodízios.

No evento de Belo Horizonte, acabei assumindo a direção dos trabalhos, até por ter participado do I e II Congressos, exercendo o papel de presidente da Mesa Diretora e ao final fui eleito o segundo presidente da ANMR.

As circunstâncias têm demonstrado as agruras para manter funcionando e ativa uma entidade de caráter nacional com tanta heterogeneidade em um país continental, no qual o interesse coletivo não consegue sobrepujar objetivos pessoais e, eventualmente, até ideológicos.

Entretanto, considera-se que a evolução da Comissão Nacional e da Associação tem sido de enorme valor para a concretização dos sonhos dos pioneiros.

Em 1984, o Professor Ruy Geraldo Bevilacqua publicou uma classificação da formação e evolução da prática em quatro períodos:

  • Período Romântico / Elitista (1944/45): nessa época os formados nas escolas de medicina pensavam no modelo clássico de médico, que trabalhava em consultório. Eram poucos os que procuravam a Residência Médica. Esses se caracterizavam pela vocação pela Medicina de alto nível, e como a remuneração era incomparavelmente menor aos que após o término da escola médica, já ingressavam no mercado de trabalho, ou eram controlados com os gastos ou vinham de famílias que podiam mantê-los por mais alguns anos. “Eram verdadeiros idealistas da profissão”.
  • Período de Consolidação 1956/70
  • O internato passou a ser obrigatório nos cursos médicos. Como consequência dessa obrigatoriedade, a Residência passou a ser encarada como necessária e importante para o aprimoramento profissional. Nesse período, a procura tornou a disputa para o ingresso muito renhida.
  • Período da Expansão do Ensino Superior:
  • No final da década de 60 e início dos anos 70 houve um aumento expressivo de escolas médicas e, portanto, de egressos dos cursos e maior demanda por vagas de residência, que também cresceu para abrigar maior número de candidatos a uma especialidade.
  • Criação da Comissão Nacional de Residência Médica-1977: Normatização/Regulamentação
  • Também a partir do final dos anos 80 e a década de 90 o Governo de São Paulo criou a FUNDAP (Fundação do Direito Administrativo), que montou, geriu e manteve
  • uma Comissão Especial de Residência Médica que se constituiu em órgão de apoio para cerca de 25 instituições filantrópicas, estaduais, municipais de todo Estado de São Paulo que recebiam bolsas de estudo para manutenção da Residência, pela Secretaria do Estado da Saúde. Além dessas instituições, participavam as Universidades Estaduais, o Hospital dos Servidores Públicos e o Hospital da Polícia Militar.
  • Essa Comissão promovia estudos que auxiliavam a CNRM em muitas tomadas de decisões, promovia seminários com objetivo de estabelecer conteúdos programáticos nas especialidades em funcionamento.

Observa-se tais estudos serviram de base para elaboração da Resolução CNRM 02/2006, ainda em vigor, com Programas de todas as especialidades reconhecidas.

A Nacional carece ainda de financiamento compatível com toda atividade que abrange serviços de residência espalhados pelo vasto território desse país continental, solicitantes de credenciamento e/ou recredenciamento, dependendo das Comissões Estaduais para visitas de aferição local.

            Apenas nos anos de 2012/2014 foi mantido um Banco Nacional de Avaliadores, cujos integrantes percorreram todos os estados, credenciando um número imenso de Programas e Instituições.

            Por ser um serviço público relevante, as diretorias das Comissões Estaduais executam todas as atividades voluntariamente, assim como, a Secretária Executiva que circunstancialmente pode agregar esse cargo com o original de servidor público, quando tem anuência da chefia imediata.

            O Decreto 7562/2011 determina que o cargo de Secretário (a) da CNRM seja escolhido pela Plenária com mandato de 2(dois) podendo ser reconduzido e até o momento, cerca de 13 médicos de ilibada reputação e qualificados professores universitários ocuparam e exerceram com brilho e maestria a função.

Pelo altruísmo e dedicação, creio que merecem destaque:

1- Dr. Carlos Alfredo Marcílio de Souza (in memoriam)

  • Dr. José Tavares Carneiro Neto
  • Dr. Evandro Guimarães de Souza
  • Dra. Marly Nicolini
  • Dra. Lorimilda Diniz Gualberto
  • Dra. Vera Lúcia Bezerra
  • Dr. Antonio Carlos Lopes
  •  Dr. José Carlos de Souza Lima
  • Dr. Roberto Queiroz Padilha
  • Dra. Maria do Patrocínio Tenório Nunes
  •  Dr. Francisco Jorge Arsego Quadros de Oliveira
  •  Dra. Rosana Leite de Mello
  •  Dra. Viviane Cristina Uliana Peterle

Batalhadores incansáveis pela educação médica transformaram a Comissão Nacional no grande polo de discussão séria e efetiva da Residência Médica instituindo normativas específicas, com abrangência significativa para todas as especialidades, formando profissionais necessários à saúde da população brasileira. A todas nossas mais respeitosas homenagens.

A Comissão recebeu uma incumbência pelo Decreto 8516/2015 que oficializou a Comissão Mista de Especialidades responsável pelo Cadastro Nacional de Especialistas, para elaborar as Matrizes de Competências das especialidades e áreas de atuação, num total de 55 especialidades e 58 áreas de atuação, iniciando timidamente em 2016 e depois, através de um esforço hercúleo a partir de 2019, está prestes a terminar a primeira parte deste trabalho de suma importância.

Espera-se que, num futuro próximo, a Comissão Nacional possa ter à disposição verba para montar novamente o Banco Público de Avaliadores e rever a possibilidade de dotar as Comissões Estaduais de recursos que permitam acreditar instituições e programas, bem como apurar denúncias, infelizmente, ainda frequentes. Importante frisar que tais recursos serão empregados em pessoal técnico auxiliar, equipamentos de informática, etc., que permitam atividades à distância, propiciando economia substancial.

A Associação Nacional de Médicos Residentes participa ativamente apesar das dificuldades inerentes à carga de trabalho e o tempo exíguo para a formação profissional. A participação associativa é fundamental e exige esforço pessoal para os dedicados residentes que têm batalhado intensamente, desde a criação da CNRM, até o momento em sua preservação qualitativa.

Está se aproximando o tempo para aprofundar e discutir o sistema de avaliação das próprias matrizes, dos programas, das instituições e dos residentes para se atingir o grande objetivo de zelar pela educação médica e retornar ao propósito inicial da Associação Nacional de Médicos Residentes.

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