Pense na seguinte situação: um hospital pertence a uma grande rede, com uma extensa demanda, em que a oferta dos cuidados de saúde não pode de modo algum ser interrompido. Por isso, ocorre a troca de funcionários por turnos, sendo que todas as informações do último turno devem ser transmitidas de um grupo para o outro para não haver perdas. Os enfermeiros que saem passam, em média, 45 minutos atualizando os que entram sobre a situação dos pacientes, com procedimentos que não são sistematizados e que diferem de um hospital da rede para o outro e os métodos utilizados para compilar informações variam de notas rapidamente rabiscadas em Post-its a informações anotadas em roupas cirúrgicas descartáveis. Não se sabe ao certo como os pacientes progrediram durante o turno anterior, quem estava acompanhando e a quais exames e terapias haviam sido submetidos.
Esse foi um exemplo real e com a utilização das tecnologias atuais esse modelo foi totalmente substituído. Os profissionais da rede Kaiser utilizaram uma tendência para que essa problemática fosse solucionada, um novo conceito: a mobilidade clínica. Por meio da criação de um aplicativo eles conseguiram fazer com que as informações dos turnos passados estivessem na mão dos enfermeiros, por meio de dispositivos móveis, podendo ser adicionados novas observações pelos enfermeiros do novo turno e implementando a participação dos pacientes no processo para certificar que tudo aquilo havia ocorrido conforme relatado. O resultado foi uma diminuição na metade do tempo entre as trocas de turnos dos profissionais, uma mudança de mentalidade na forma como os enfermeiros identificaram o trabalho, bem como um aumento na confiabilidade dos dados nos prontuários.
Devemos pensar no uso da tecnologia como algo que facilite nosso trabalho na área da saúde e considerar que mudanças de paradigma são necessárias para uma evolução do sistema. Estamos vivendo uma época, principalmente após a pandemia, que muitos aspectos foram reconsiderados e que vêm mostrando um excelente resultado na área da saúde. Há indubitavelmente um crescimento dos gastos nesse campo, pressionando instituições, médicos, trabalhadores, pacientes e colaboradores. Portanto, o uso da tecnologia como um meio que facilite processos custosos e metodologias extremamente complexas tem sido cada vez mais requerido.
Um conceito citado acima e que tem sido largamente implementado nos mais diversos centros de saúde é mobilidade clínica, que é a utilização de dispositivos móveis, como tablets e dispositivos que permitem compartilhar informações dos pacientes na palma da mão. Através de sua utilização, os erros médicos podem diminuir sobremaneira, já que de acordo com o The Joint Commission, 70% dos erros de medicação são atribuídos à falha na comunicação e, por meio da utilização de dispositivos que facilitem a transmissão de dados em alta velocidade e de fácil acessibilidade, talvez seja uma das soluções para esse entrave. Através de uma melhor comunicação e colaboração, o cuidado focado e atencioso ao que o paciente de fato necessita ocorre com maior precisão, melhorando a informação disponível sobre a real situação do paciente e levando a decisão mais assertiva dos profissionais de saúde quanto ao que adotar.
De acordo com o estudo Zebra´s Healthcare Vision, 55% dos hospitais que foram submetidos à pesquisa citaram redução dos custos com cuidados aos pacientes com o uso da mobilidade clínica, 72% relataram aumento da qualidade dos serviços de saúde e 61% das enfermeiras disseram ter havido uma redução do erro de administração medicamentosa. Além disso, há alguns outros dados do mesmo estudo que chamam atenção, como o fato de que 77% dos pacientes disseram se sentir à vontade quanto ao uso clínico de dispositivos móveis no curso do tratamento e que 95% dos dispositivos permitiram compartilhamento entre os profissionais da saúde das sinais vitais dos pacientes.Com isso, o estudo Zebra revelou que a falta de informação em tempo real sobre a situação do paciente hospitalizado é a principal barreira para atingir uma melhora no cuidado ao paciente nos hospitais.
Todavia, essa imensa transformação depende não somente do corpo de saúde, como também de profissionais da área de técnica de informação (TI), que necessitam de um ecossistema de inovação e maior liberdade para desenvolverem soluções que podem diminuir sobremaneira tempo e custo das instituições de saúde. O essencial papel que departamentos de TI exercem é hoje indiscutível sendo responsáveis não somente por processos que envolvem fluxos dos mais diversos tipos nos hospitais, com a gestão da parte técnica e econômica, gestão da qualidade, gestão do conhecimento e gestão do tempo. Esses mesmos profissionais no futuro assumirão um papel de liderança no desenvolvimento de políticas e não somente com a implementação de soluções.
Porém, para a implementação da mobilidade clínica a principal barreira de entrada é a política necessária para sua utilização, assegurando o direito à privacidade dos pacientes, bem como o pensamento conservador, que muitas vezes negligencia a necessidade da mudança, ou mesmo de fato não quer enxergá-la, e que poderia ser um grande salto como tem sido nos países de primeiro mundo.
A inovação constitui parte essencial para que possamos evoluir no sistema de saúde, seja no campo público ou privado. É necessário que os gestores das instituições promovam campos de desenvolvimento, como núcleos que integrem profissionais da saúde bem como profissionais de outras áreas, como técnicos de informação, para que mais soluções como a mobilidade clínica possam auxiliar não só na sustentabilidade dos grandes centros de saúde, como também possibilitar proporcionar o que todo profissional da saúde deveria ter como fim: o bem-estar dos pacientes.