livro Deep medicine

Deep Medicine: perda da relação médico-paciente

O tema deste artigo é o livro Deep Medicine: How Artificial Intelligence Can Make Healthcare Human Again, escrito por Eric Topol e publicado em 2019. Eric é fundador e diretor do The Scripps Research Institute, onde atua, há 15 anos, no desenvolvimento de educação e pesquisa na área biomédica. Antes disso, passou outros 15 anos como diretor do Centro de Medicina Cardiovascular da Cleveland Clinic. O cardiologista, formado pela Universidade de Rochester em 1979, atua de forma influente em relação à inovação em medicina há anos, tendo vários livros lançados e sendo considerado uma das vozes mais importantes da área.

O livro Deep Medicine foca sua atenção especificamente na perda da relação médico-paciente que vem acontecendo nos últimos tempos. O problema, de acordo com o autor, é ocasionado por diversos fatores, como a necessidade de dedicação e atenção extremas no preenchimento dos prontuários eletrônicos, o que faz com que o médico desvie seu olhar do paciente para a tela do computador; a cobrança por parte dos gestores de saúde para que os médicos aumentem sua produtividade, atendam mais pacientes e em consultas cada vez mais rápidas; o modelo atual de prestação de serviços em saúde, o qual se baseia muito mais em exames e encaminhamentos do que em contato e confiança; entre outros. 

Eric argumenta que, com a desumanização da medicina, todos perdemos, em todas as áreas. Veja alguns pontos:

  • Pacientes não ficam satisfeitos com as consultas, não confiam nos diagnósticos e tratamentos e têm medo de seguir as recomendações médicas;
  • Médicos não sentem que estão conseguindo ajudar e curar seus pacientes — sensação essa que foi, muitas vezes, o desejo inicial que os levou para tal profissão;
  • Planos de saúde perdem dinheiro, pois, com um cuidado pior, o número de readmissões aumenta. (É, inclusive, citado um estudo que comprovou que cada minuto a mais gasto nas consultas diminui, posteriormente, as chances daquele mesmo paciente vir a necessitar de uma nova internação);
  • Hospitais perdem credibilidade por não oferecerem cuidados de qualidade; 
  • O número de casos de burnout, depressão e suicídio em médicos aumenta;
  • As faculdades também perdem, uma vez que a medicina centrada em médicos que saibam decorar, seguir protocolos, lembrar posologias e atender pacientes rapidamente e de modo distante faz com que a seleção desses profissionais priorize indivíduos que se comportem assim, bem como sua formação, que deve ser orientada para fomentar tal caráter. Entretanto, no mercado de trabalho, isso causa exatamente a chegada de médicos com insuficiência na qualidade mais importante: a empatia. 

Dessa forma, ao longo de vários capítulos explicando causas, consequências e especificidades, o autor comprova que a situação atual de cuidados em saúde é deficitária e que é exatamente a desumanização da medicina que está causando tal situação. Eric prova que essa condição só tende a persistir e a piorar devido a uma formação das gerações futuras de médicos que busca atender às necessidades atuais de processamento e também pela falta de empatia. 

O ponto, então, é pensar exatamente como é possível mudar esse quadro com o uso da inteligência artificial, uma vez que o autor nota nessa área um potencial gigantesco para fazer toda a diferença. 

Basta pensar que a inteligência artificial (IA) detém capacidade sobre-humana de se comportar de forma analítica baseada em dados. Além disso, a IA se encontra numa situação de rápida expansão e atenção e com muitos cases de sucesso, como o de carros autônomos. Dessa forma, o uso de tal ferramenta é de extrema importância para a futura rehumanização da medicina, livrando os médicos das atividades que os consomem e os impossibilitam de prestar real atenção ao seu paciente. 

Algumas soluções descritas pelo autor que têm a capacidade de libertar os médicos e, além disso, de ser melhor que eles em diagnósticos (e mais baratas) são: 

  • Leituras de exames com padrões:
    • ECG;
    • Lâminas patológicas;
    • Exames de imagem;
    • Exames de fundo de olho;
    • Ausculta cardíaca e pulmonar;
    • Análise de lesões de pele.
  • Soluções em saúde mental, como com a disponibilização de chatbot 24h por dia para as pessoas conversarem — em adição aos psicólogos e psiquiatras — ou, então, com a fenotipagem digital da pessoa e utilização de dados (uso de emojis, acessos a websites específicos, tempo de tela, uso de aplicativos específicos) para melhor diagnóstico e acompanhamento de tratamento de condições psiquiátricas, como depressão, e para prevenção dessas doenças em indivíduos saudáveis; 
  • Realização de diagnósticos precoces de condições com softwares que já diagnosticam ataque cardíaco através da ligação do paciente para a emergência ou softwares que indicam chance de complicações hospitalares em pacientes específicos, justificando mudanças de cuidado para prevenção.
  • Capacidade de saber a data provável de morte de pacientes sob cuidados paliativos, no fim da vida, a fim de permití-los sentir a menor quantidade possível de dor ou garantir a oportunidade de morrer em casa, por exemplo. 

O livro cita, ainda, na direção contrária, motivos pelos quais devemos ficar espertos com a adoção da inteligência artificial na medicina, uma vez que, como toda novidade, além de seus benefícios, existem seus pontos negativos. Alguns motivos são: 

  • A inteligência artificial multiplica por várias ordens de magnitude os vieses humanos, que são codificados dentro delas em seu momento de criação (há várias notícias sobre racismo em programas de inteligência artificial, por exemplo). Como o programa aprende com os comportamentos humanos, tais vieses acabam sendo incorporados também. 
  • Aumento das desigualdades, seja pelos vieses já citados ou pela criação de tratamentos extremamente caros, que não são acessíveis às populações mais pobres. 
  • A característica opaca das inteligências artificiais, que geralmente aprendem por métodos que não eram nem esperados anteriormente pelos desenvolvedores e que muitas vezes tomam atitudes que nunca foram esperadas.
  • Problemas de privacidade e segurança digital (com a possibilidade de vazamento de dados dos usuários, como vida sexual, uso de substâncias, condições psiquiátricas etc.). 

O livro, portanto, é extremamente complexo e longo e aborda, ainda, vários outros temas, como os custos médicos, que só vêm aumentando e hoje correspondem pela maior indústria nos EUA, tanto em % do PIB quanto em número de pessoas empregadas. Nessa área, o autor cita também várias maneiras de se atuar a fim de reduzir tais custos — sendo que não é surpresa que a humanização da medicina figure entre uma das medidas mais necessárias para tal. Essa é uma leitura fundamental, que ensina muito sobre várias áreas da medicina atual e futura. 

Este texto foi escrito por Wander Leão Valentim, Agente de Desenvolvimento da FHE Ventures. Wander é estudante do oitavo período do curso de Medicina da UFMG, está cursando também MBA de Gestão em Saúde pelo BBI of Chicago e tem passagem em Ciência da Computação pela Harvard. Já lançou mais de 15 aplicativos, trabalhou por 3 anos como professor de programação e participou de Startup Weekends. Saiba mais em sua página no LikedIn: www.linkedin.com/in/wanderleaovalentim

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