O tema desse mês será o livro “Como vencer um debate sem precisar ter razão”, um livro, traduzido para o português e publicado em 2003, escrito por Arthur Schopenhauer (1788-1860) filósofo alemão muito renomado, sobretudo pelo seu livro “O mundo como vontade e representação”, escrito em 1818 e expandido em 1844. O livro nunca foi publicado pelo autor, sendo impresso somente depois de sua morte, quando um de seus discípulos achou as anotações em seus materiais. O motivo para tal é que o autor desenvolveu o livro não pois achava o material realmente importante para a sociedade, mas sim pois o via como uma arma contra os modelos argumentativos de Hegel, outro filósofo alemão contemporâneo a Schopenhauer. Ambos tinham uma rixa notável, e Schopenhauer atribuía à argumentação de Hegel – tida por ele como capciosa e não fundamentada na lógica, mas em estratagemas erísticas – o motivo disso.
Erística, por sua vez, é a arte de vencer o debate mesmo sem ter razão, muito usada para convencer pessoas de coisas que não são verdadeiras; e foi exatamente para combater tal prática que Schopenhauer criou o livro, para que as pessoas o pudessem ler e então não serem enganadas por tais artimanhas. Posteriormente, como Hegel morreu antes da finalização da obra, o autor desistiu da mesma e a deixou de lado.
O livro, entretanto, tem ainda grande importância nos dias de hoje sobretudo pelo seu uso prático: infelizmente ainda nos dias de hoje muitas vezes a erística é utilizada em debates de forma capciosa, assim como detestava Schopenhauer, e é possível sofrer grande prejuízo caso um seja levado em sua correnteza. A prática encontra-se presente muitas vezes por exemplo em negociações e apresentações e é mais uma das questões para as quais o empreendedor deve se atentar, sobretudo pois seu uso vem, infelizmente, aumentado nos dias atuais (fato notavelmente contraproducente visto que já é demasiadamente comprovado que a comunicação clara e transparente traz diversos benefícios no mundo dos negócios, alinha interesses, evita problemas futuros e contribui para um ambiente mais feliz e produtivo).
Na obra são citados 38 estratagemas para os quais o leitor deve se atentar no futuro, dentre os quais alguns dos mais importantes são:
- A distinção, mudança ou ampliação indevida ocorre quando o interlocutor pega uma fala e a distorce em seus limites ou definições, sobretudo caso as mesmas não tenham sido claramente demarcadas, e então comprove a falsidade dessa nova fala. No exemplo dado pelo autor, uma vez disse ele que “Os Ingleses escrevem ótimas peças do gênero dramático” sendo ele então rebatido com “Todo mundo sabe que na música, e, portanto, na ópera, eles nunca foram importantes”. Para tal malícia o autor cita o antídoto que é sempre recordar o que se disse, e sempre definir exatamente os objetos de suas falas. A solução encontrada, no caso, foi relembrar que se disse somente sobre o gênero dramático e esse corresponde unicamente à tragédia e à comédia.
- A coleta de afirmações desconexas e rápida citação com conclusão errônea. Tal situação, por exemplo, ocorre com certa frequência em negociações nas quais um lado, por exemplo, quer aumentar o equity que ganhará devido a certo investimento fixo. Para tal, começa-se discussões paralelas ao assunto, sobre questões como organização de procedimentos, tamanho de mercado atual, capacitação atual de gestores e encontra-se vários problemas na startup (o que é óbvio visto que todas as startups tem vários problemas devido ao seu nascimento recente e ambiente de poucos recursos). Posteriormente a isso, a parte capciosa segue por enumerar todos esses fatores para tentar concluir que a startup é ruim ou que ainda precisa melhorar muito e que, portanto, por ser o risco maior, o equity transacionado deve ser maior. Para tal caso, o antídoto citado pelo autor é de sempre exigir calma às discussões e sempre destrinchar os argumentos postos na mesa.
- Outro ponto abordado é ainda o viés da ancoragem, fator psicológico nomeado detalhadamente só nos últimos anos (no livro “Rápido e Devagar, duas formas de pensar” de Daniel Kahneman). Durante tais discussões, o interlocutor que a inicia faz uma primeira sugestão de ponto inicial, como por exemplo “Pagamos 5 mil reais anuais pelo serviço prestado pela sua empresa” sendo que ele próprio na verdade acredita que tal serviço valha pelo menos 10 mil. Isso faz com que a discussão, por começar girando nesse montante, tenha dificuldade de se afastar demais dele, e as próprias propostas que diferem muito dele não são apresentadas pois são vistas como provavelmente muito erradas. O antídoto é sempre argumentar sobre os pontos iniciais da discussão, não deixar que nada seja colocado inicialmente como consenso sendo que não é.
- Por fim, um outro estratagema também muito em voga é o de provocar a diminuição da concentração no outro, seja através de incitação de raiva ou desconforto seja através de ampliação do debate para vários outros temas ou colocação de necessidade de se fazer longas explicações. Todas essas artimanhas são utilizadas para comprometer a capacidade de negociação e então ter mais facilidade em obter contratos que beneficiam mais um lado do que o outro. Esse inclusive é um dos mais utilizados em eventos públicos, debates, política e afins. O antídoto é sempre manter a calma e a concentração, sobretudo quando identificar que tal atitude está sendo tomada.
Todos esses e muito mais são amplamente explorados no livro, com exemplos, citações e explicações, assim como seus antídotos, como evitar que tais técnicas sejam utilizadas de forma capciosa, ou até inclusive muitas vezes de forma inconsciente, em uma discussão e negociação. Além disso, o livro é rico ainda em caráter histórico, por apresentar extensa dissertação sobre filosofia, discurso e debate, uma leitura muito rica por si só e que pode ainda suavizar o tema da obra que, se estudando sozinho torna-se exatamente maçante pelo pensamento – idêntico ao de Schopenhauer – de que tal tipo de conhecimento não deveria ser útil.
É um livro obrigatório para todos que querem se aprofundar na arte da negociação e formulação de contratos e, portanto, imprescindível para todos os empreendedores.